2.10.10

Overdose...


Tenho uma conexão estranha com este roteiro. In Treatment é uma série americana, vencedora de um globo de ouro e dois emys, baseada em um programa israelense de grande sucesso. Trata-se da vida de um psicoterapeuta e seus atendimentos, aprensentando a cada dia uma sessão dos pacientes.

Conheci esta série por acaso, um dia procurando um programa atrativo na TV a cabo. 30 minutos depois, meus olhos estavam vermelhos, o rosto com lágrimas e som era de soluços. Esqueci o horário e o canal... não o procurei mais até...

Um sábado estranho...17 de julho. Nos últimos meses, meus sábados eram agitados e regrados: reunião dos vigilantes do peso para manter a educação alimentar às 9h, massagem às 10h, academia às 11h30, sashimi às 13h, aula de inglês às 14h30. Neste dia não!

Fui quieta na reunião e com olhos lacrimejando na massagem. Encontrei com mais de 15 pessoas e não conversei com nenhuma... depois cama e silêncio. Me levantei para a aula de inglês, por absoluta educação e cortesia com minha professora particular e amiga... tudo o que consegui foi me despedir e dizer que queria parar, que a disposição para estudar findara. Neste dia, ela preocupada me alertou: você não é assim, talvez precise de ajuda...

Voltei para casa e tive minha primeira overdose In treatment. Cinco ou seis episódios seguidos na cama, conectada à internet.  Naquela noite, dormi na UTI... e sai do hospital quase 25 dias depois sob outra perspectiva com o diagnóstico de leucemia.

Minha segunda overdose In treatment aconteceu lá mesmo no quarto do hospital, cerca de 15 dias atrás. Mais quatro episódios escolhidos a dedo. Não são todos os pacientes que me parecem interessantes... há um roteiro predileto.

Hoje foram sete episódios...

Será a hora de voltar para a psicanálise?

27.9.10

Saudades...


Ontem não escrevi... só senti. Senti saudades.


21 dias no hospital e senti: 


Saudades de dormir de bruços, só de calcinha na minha cama. 
De acordar de madrugada, ir para o sofá com endredon, travesseiro e chocolate no colo.


Saudades de sentar no boteco, bater papo e tomar cerveja gelada com as amigas.
De um jantar romântico regado a vinho, e tudo o que vem depois.


Saudades de fazer trança nos cabelos e caminhar no parque em um dia de sol.
De sentar quieta em frente ao mar.


Saudades de arrumar as malas para viajar.
De voltar para a casa, para minha casa!


Enquanto escrevia sobre minhas saudades, lembrei de Clarice Lispector (que saudades da emoção de descobrir Clarice), percebi o quanto não sou original e como uma poesia lida há anos pode inundar nossa cabeça encondida sob o título de inspiração.


Os últimos versos de Saudades, de Clarice são:


"E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência..."



Estou chegando na casa da minha irmã. Serão 06 dias até voltar ao hospital.

24.9.10

Para onde olhar?

Eu gosto desta foto.

Um dia em 2007, procurando imagens para uma apresentação de trabalho, encontrei esta. Não servia para meu propósito mas não pude desprezá-la. Infelizmente, por não ter usado, me distraí com os créditos autorais e os perdi (em tempo, se alguém souber, me envie por favor).

Não é o céu que me encanta, tampouco o reflexo na água... embora sejam elementos estéticos preciosos. A composição me instiga...

Quem está ali, sentado a observar, tem diante de si duas opções... se focar no céu terá um espetáculo, porém, se os olhos se perderem na cidade, a sensação é outra. Uma simples escolha de atenção e... completa mudança de emoção.

E as pessoas? Minha primeira interpretação foi: Três gerações. Pode ser ou não. Não é conclusiva a afirmação de que os homens tem idades distintas. Pode ser um casal homosexual com sua filha. Mas isso não tem relevância.

O que torna essa foto rara é a sensação de cumplicidade que ela me trasmite. Duas pessoas que, silenciosamente (não imagino esta cena com som...) contemplam, observam, pensam e compartilham uma ou tantas coisas...

E a criança? Ela compartilha... ela é cúmplice no seu silêncio, no seu próprio universo... em sua observação em outro plano - talvez mais concreto (os desenhos que seu pé faz?).

Os três estão juntos, muito próximos... ainda que não estejam abraçados e sorrindo.

Nesse momento, quem me lê deve pensar: O que essa "viagem" tem a ver com o blog?

Hoje eu acordei lembrando dessa foto... e sentindo a felicidade que é ser um dos personagens desta imagem...

Isso é efeito da minha noite passada...pessoas que eu amo, aqui, ao meu lado... simples e absolutamente próximas. Não teve declarações de amor ou grande comemoração... e teve tudo! Porque muitas vezes só estar ao lado, olhando para a cidade ou para o céu ou para os pés é o que precisamos e desejamos.

22.9.10

É Lenine... um pouco mais de paciência!



Paciência compõe a trilha sonora deste dia!

Não sou uma mulher colérica, tampouco nervosa ou escandalosa. Não consigo nem me lembrar a última vez que gritei com alguém... As pessoas me consideram uma mulher delicada, mas sou daquele grupo que crê que a vida não para. E se as coisas não estão no ritmo certo, melhor mudar ou trocar...
Se essa postura sempre respingou na familia, nos amigos ou na equipe de trabalho, sobre mim, me inundava com desafios, cobranças, prazos, urgências e resultados.
Aos 30 anos comecei o mestrado na PUC, depois de um MBA e duas pós graduações... quanta pressa!
E não é que esta vida tão rara!, como diz Lenine, sempre nos surpreende?
Faz 10 dias que terminei a quimioterapia e, pelos meus cálculos (grande médica que sou...rs) meu corpo já teria se recuperado para deixar o hospital. Essa era minha espera ansiosa... e analisando os indicadores - plaquetas, leucócitos, temperatura, pressão e dor - estava tudo sob controle.
Mas meu corpo ou minha medula tem outro ritmo, outro tempo e outra lógica... As plaquetas, por exemplo, dois dias em curva crescente (8.000 - transfusão - 19.000), sinalizando uma tendência de alta, hoje se apresentam com 13.000!
Medicação, pronta resposta da avançada medicina?Não... meu médico sabiamente recomendou: vamos aguardar seu corpo reagir, tempo para ele.
Que legal pensar que muitas vezes o que precisamos é silenciar e não agir. Esperar! Respeitar!
Boa lição para a mulher que ama flores e joga ou jogava! o bulbo da orquidea fora, pois não conseguia esperar a próxima florada.

21.9.10

Elizabeth Gilbert e as nossas viagens...

60 dias em tratamento e 38 dias em internação... Um presente que tenho recebido nesta temporada chama-se "Conversas de Corredor" ou se a prosa avança, "Visitas ao quarto ao lado".
Se enganou quem visualizou uma lamentação pelos tão conhecidos efeitos colaterais da quimioterapia. Não! Quem quer reclamar não procura novas pessoas, alegra-se em fazê-lo com os familiares.
Nossas divagações dialogam com prazeres, planos e, curiosamente, viagens. A recorrência em sonhar com uma bela e, muitas vezes, longa, viagem me fez refletir se ela assume o papel de celebração ou de reencontro pessoal. Não escutei a palavra comemoração, nem nos meus pensamentos noturnos.
Nesse enredo, a enfermeira também complementa: Após 02 anos de tratamento, um paciente de 72 anos decidiu tomar a mulher pelos braços e passear três meses pela Italia. Fazia mais de 20 anos que eles não saiam de São Paulo.
Será que estamos todos no chão do banheiro às 3h da manhã chorando como fez Elizabeth Gilbert?
Tenho pensado na minha viagem.
A leucemia provocou uma ruptura estrutural na minha vida. Não! Definitivamente ela não era ruim! No entanto, o cenário: mulher solteira, livre, independente e que usa dez horas do dia na luta pelo espaço de trabalho no ambiente corporativo não tem me parecido o melhor destino para o meu retorno.
Se eu estou lutando tanto para levantar deste piso frio em plena madrugada, não preciso encontrar algo que faça mais sentido?

Tem alguém aí que possa compartilhar se já carimbou o passaporte com este propósito?

Obs. Segue link com o video inspirador deste post
Entrevista de Jorge Pontual com Elizabeth Gilbert http://globonews.globo.com/platb/milenio/2010/09/20/um-encontro-em-dois-botoes/#comments

20.9.10

Quem leu Pollyanna?

Outro dia recebi a cópia do meu prontuário médico da primeira internação - umas 400 páginas. Na falta de leitura melhor, enquanto esperava o médico chegar, comecei a folheá-lo, rememorando alguns acontecimentos dos primeiros dias no hospital.

Interessante ler o que os médicos e enfermeiros escrevem sobre nós...

Para os pacientes da oncologia, há atendimento psiquiátrico todos os dias e, então, cheguei nas anotações do psiquiatra. Lá, dizia ''hoje a paciente estava com humor eutímico". Caramba! Logo perguntei para minha irmã: "O que é humor eutímico?". Ela me respondeu: "Não tenho a menor idéia. Qual é o contexto do parágrafo, talvez dê alguma dica."

Aí, li a observação completa do dia: 'hoje a paciente estava com humor eutímico. Continuar acompanhando e manter assistência."

Caramba, pensei... será que contei alguma piada imprópria ou fiz uma brincadeira que não devia? Fui mal educada com ele?

Bem, fechei a biblia e segui com a consulta médica. No caminho de volta, retomei o assunto...mas já não lembrava o termo exato. "Como é mesmo meu humor? Etílico? Edílico?" Qualquer um deles não casava bem...rs

Logo entendi que um humor eutímico significa:  Faixa normal de humor, implicando ausência de deprimido ou exaltado.

Portanto, agora que tenho um documento, com carimbo de CRM e assinatura, garantindo que tenho um humor normal, fico à vontade em compartilhar meus pensamentos da última madrugada, enquanto a casa dormia e o meu sono estava bem longe...

Tive a sensação de que minha vida está boa, e melhor que contar carneiros, comecei a enumerar os motivos da minha sensação de bem estar:

1. Faz  duas semanas e meia que não sinto dor alguma.

2. Meu apetite está muito elevado e estou me esbaldando... São 5 refeições ao dia, arroz e feijão no almoço e jantar (tudo caseiro e fresquinho), chocolates, pão na chapa no meu lanche da tarde... uns 40 pontos dos vigilantes do peso. E emagreço!  Antes de ficar doente, tinha 54kg mas 52. Agora estou com 51!

3. Como só tenho uma gaveta no quarto do sobrinho, disponho de poucas roupas aqui, mas estou magrinha, um novo closet se abriu para mim! Tudo da minha irmã me serve. E o melhor, ela empresta com gosto. Isso é quase uma desforra dos tempos da adolescência (só quem teve irmã sabe...rs).

4. Não estou sentindo falta alguma do trabalho, não preciso voltar em 30 dias, como nas férias, e isso não pega mal com os chefes.

5. Complementando o anterior, só que com maior ênfase: O salário é integral!

6. Estou sendo paparicada como nunca! Pela familia e pelos amigos. Não há um dia sequer que não recebo um telefonema ou e-mail com manifestação de carinho ou saudades. Não que eu não fosse querida, mas no dia-a-dia nos esquecemos de dizer... eu, inclusive.

7. Faz quase dois meses que não pego ônibus ou metrô... só ando de Picasso e com o ar condicionado ligado para não correr o risco de ficar desconfortável.

8. Não estou fazendo ginástica - férias total. Mas não é porque tenho certa preguiça... foi o MÉDICO que pediu! Tem argumento mais forte?

9. Como estou na casa da minha irmã e é ofensa total para eles que eu ajude financeiramente (as vezes tento pagar uma compra mas há stress) e já estou deixando meu apartamento, não tenho muitas contas a pagar. Poderá ser uma forma de guardar um dinheirinho.

10. Falando em dinheirinho, na próxima semana poderei sacar o FGTS e usá-lo como quiser.

Bem, achei que 10 era um bom número e comecei a pensar que nao é tão legal ficar doente... vamos lá, o que está ruim...

1. Não estou saindo para paquerar, não tem beijo na boca e nem bom sexo. 

Nesse momento lembrei que a condição da doença não mudou nada nesse aspecto... talvez agora eu tenha um desconto e um belo argumento para me desculpar. Asssim, não era um bom jeito de começar.

Enquanto pensava no segundo tópico, me deu um sono...rs

Conclusão: Quando as mães compram o livro Pollyanna para suas filhas aos 12, 13 anos, não imaginam o estrago que fazem.
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